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"Eu não fui a primeira opção de Deus para o que fiz na China."

Tenho um amigo missionário que sempre que vem contar-me dos seus planos já os apresenta em duas possibilidades: o plano A e o plano B, alternativo, mas pensado desde o início. Lembrei-me dele ao reler a história de uma missionária que serviu ao Senhor na China do século passado e que há alguns anos me inspirou. Seu nome é Gladys Aylward (Londres, 1902 - Taiwan, 1970), e sua biografia no livro Missões até os Confins da Terra, de Tucker (2010), termina com um trecho intrigante em que ela mesma confidencia acerca de seu “chamado”. Veja que preciosidade:
 
"Eu não fui a primeira opção de Deus para o que fiz na China. Havia outra pessoa [...] não sei quem era, mas era a primeira escolha de Deus. Deve ter sido um homem – alguém maravilhoso. Um homem culto. Não sei o que houve. Talvez ele tivesse morrido. Talvez não se mostrasse disposto [...] e Deus olhou para baixo[...] e viu Gladys Aylward".

Diz a Bíblia que os planos de Deus não podem ser frustrados (Jó 42:2), mas isso evidentemente acontece, sobretudo, numa esfera que parece estar além da nossa compreensão natural, ou como ensinou Jonathan Edwards (apud PIPER, 2008, p.27) só se percebe quando visto não pela nossa humana lente estreita e momentânea, mas pela lente ampla com que Deus vê a história da humanidade como um todo. Deus sabe por completo (Rm 11:33; At 1:7). Assim sendo, não objetivo aqui especular acerca de situações nas quais Deus possa planejar algo para alguém e este lhe rejeitar os desígnios, porém, o desabafo de Gladys Aylward nos conduz sim a uma reflexão sobre até que ponto nossas decisões, ora concordantes, ora discordantes do projeto de Deus para nós. Com base em suas palavras, imagino Gladys numa fila de voluntários, dando um passo à frente no momento em que a oportunidade aparece pela “recusa” do seu anterior. 

Lembra da rainha Ester em sua aparentemente hesitação em 

interceder pela vida dos Judeus junto ao imperador, seu marido? Lembra das palavras de seu tio Mordecai? Vou transcrevê-las: 

Então, lhes disse Mordecai que respondessem a Ester: Não imagines que, por estares na casa do rei, só tu escaparás entre todos os judeus. Porque, se de todo te calares agora, de outra parte se levantará para os judeus socorro e livramento, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para conjuntura como esta é que foste elevada a rainha? (Ester 4: 13, 14, grifo nosso)

Daí, considerando que de fato os planos de Deus não possam ser frustrados em hipótese alguma, talvez – num exercício do pensamento -, poderia propor que Deus não apenas tenha um único "escolhido" pra fazer isso, e sim uma lista, e que cabe a nós estarmos disponíveis e atentos pra que não seja pulada a nossa vez, nossa oportunidade - e vejamos apenas de longe, sentados como espectadores, Deus mudando o mundo a partir de pessoas que tinham menos condições e força física, saúde, ou mesmo preparo? Afinal Gladys Aylward era alguém assim. Aos 28 anos de idade - tarde demais para uma solteira no início do século XX - foi rejeitada como missionária após um tempo no treinamento da missão a que se candidatou, sabe por quê? Ela “simplesmente não era feita de material missionário da época”, e isso incluía postura, aparência, força e inteligência lingüística, por exemplo. É dito que “quando se tratava de absorver conhecimento pelos métodos normalmente aceitos, os poderes de assimilação mental de Gladys pareciam ficar paralisados e ocasionalmente dar marcha a ré” (Tucker, p. 362). 

Rejeitada, portanto, pela Missão, juntou penosamente - à custa de trabalho como doméstica/ arrumadeira por anos - o dinheiro da sua própria passagem da Inglaterrra à China, onde trabalhou quase 20 anos (mesmo em contexto de guerras) cuidando de viajantes, meninas, crianças órfãs de guerra, feridos, e claro, ensinando o Evangelho e levando pessoas a Cristo. 

Conhecida finalmente pelos chineses como  (Ai Wei Dé-a - aproximação transliterada do seu sobrenome 'Aylward', mas que significava 'virtuosa'), é reconhecida em seu país, inclusive pela rainha Elizabeth. É feita uma produção cinematográfica em 1958 contando sua história: A pousada da sexta felicidade, além de várias biografias.

Histórias assim inspiram. Faz-nos pensar nossa vida nesse mundo, e esvaziam todo o estoque de desculpas e lamúrias que alegamos - conscientemente ou não – ao nos escusarmos de ser "sal da terra" e "luz do mundo" (Mt 5:13-16).

Referências Bibliográficas:
BIBLIA SAGRADA, versão Almeida Revista e Atualizada, 1993. Sociedade Bíblica do Brasil. 

NOGUEIRA, José. A pequena grande missionária na China. Disponível em: http://www.cristoevida.com/ibfcv.asp?url=artigo&codigo=142. Acesso em: 07 jun. 2013

PIPER, John. Em busca de Deus: a plenitude da alegria cristã. 2.ed. São Paulo: Shedd, 2008.

TUCKER, Ruth A. Missões até os confins da terra: uma história biográfica. São Paulo: Shedd, 2010. p.361-370.

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